domingo, 16 de novembro de 2008

Rhea Cybele

A velha senhora toca seu pandeiro enquanto observa o jovem Dionísio dançar entre os sátiros. Ela sorri pelo neto, que finalmente tem paz em sua vida, e suspira pelo calor e suor em seu rosto. Rhea Cybele se afasta, discretamente, do círculo de bacantes e senta-se numa pedra. Estica pernas, pousa o pandeiro no chão e ajeita a coroa de torres.A deusa descansa, deixando a saia de babados cair sobre o colo.

A dama pensa em todas as pradarias e campos pelo qual seu garoto andou, em todas as formas de loucura que o acometeram até que retornasse à Creta e que, pelas mãos preocupadas de Zeus, fosse entregue aos seus cuidados.

Se Rhea fosse mortal, não estaria tão bela a essa altura da vida. Mas os deuses são assim, não morrem jamais. Seu cabelo ainda é negro e grosso, seus seios ainda são firmes, sua pele é branca como leite de leoa. Mas Rhea tem, na mente e no coração, toda a sabedoria que só as deusas mais antigas, aquelas que já viram quase tudo, podem carregar. Por isso, e por ser muito parecida como neto, a Grande Mãe foi a única que conseguiu curar o menino Dionísio da loucura de Hera.

A deusa coloca o pandeiro no chão, estica as mãos e ajeita as serpentes que se enroscam por sua roupa. As cobras sempre a fazem lembrar da criança serpente, a mãe de Dionísio, a jovem Perséfone. A deusa puxa pela memória a época do ano e percebe que, em breve, ela retornará para o marido no Mundo dos Mortos. Quando esse tempo chega, a senhora deixa Dionísio mais uma vez aos cuidados de Sileno e parte para acompanhar a filha, Deméter, em seu período de reclusão.

Engraçado, pensa a deusa, que mesmo com os filhos no comando do Olimpo, ela cuida da maior parte deles e de suas vidas, como se fosse sua própria vida. Como se fosse parte integrante e essencial desse mundo do alto.


Mas Ela sabe que não é. A Senhora das Criaturas Selvagens sabe que seu lugar é na terra, junto das serpentes. Não na distância sofisticada do Monte Olimpo. Ela sobe, de tempos em tempos, para agradar seus filhos, para ver suas crias e dividir-se entre netos e bisnetos. Mas ela gosta da terra fria e do barulho dos sátiros, da flauta de Pan e de acompanhar Dionísio em suas andanças pelo mundo. Ela gosta de tocar o pandeiro e de se exaurir em dança, coisa que seus filhos não entendem e não fazem.

Mas, por ora, a deusa esquece de suas funções como mãe dos olimpianos e retorna ao cortejo do neto. De azul e branco, coroada de torres e com serpentes pelos braços e cinturas, Rhea Cybele é, mais uma vez, a senhora do êxtase, dos castrati, da concepção e da terra. Por ora, ela dança, com pandeiro e passos labirínticos. E se exaure na loucura – agora saudável – do neto Duas Vezes Nascido.


Crédito da imagem: Cybele, de Sandra M. Staton

2 comentários:

Cassia disse...

que maravilha de texto! estou extasiada!!!!

Carol Carvalho (Carol Yara) disse...

E mais, abre um caminho lindo de estudo e desenvolvimento... parabéns!