terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Encruzilhada


- Há três caminhos possíveis? Qual você vai seguir?

A deusa com olhos de cão pergunta ao viajante. Como uma estátua que marca o fim - que ao mesmo tempo é o começo - da estrada, a tríplice deusa da Lua porta suas tochas e indaga, calmamente, ao homem parado há sua frente.

Ele, nervoso, trança as mãos. Sua mala está no chão, seu chapéu voou com o vento da noite. Mas, para a deusa, nada disso importa. O nervosismo, o cansaço, a fome... meros detalhes humanos. Ela também não está preocupada com o tempo que o homem levará para escolher. Há tantas e tantas Luas, há tantos ciclos do Sol ela faz a mesma pergunta, para as mais diferentes pessoas, que já não importa mais o tempo que elas demoram para responder.

A tríplice continua olhando para o homem, sem expressão. Ele consegue ver bem as três estradas que se abrem à sua frente, por conta da iluminação das tochas dela.

- Qual a senhora acha que eu devo seguir?
- Nenhum. Fique parado aqui até Thanatos buscar sua alma.

Ele treme. Ela sabe que não é de frio. É assustador, para qualquer viajante que passe por ali, pensar em ficar mais do que o necessário à frente da titânide. Eles sentem um frio imenso, uma insegurança terrível e um medo da noite que não é explicável pelas vias normais das palavras.

Impassível, imóvel, ela espera.

Imagem sem crédito

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os filhos do Rei

Hera senta-se no trono e olha a sua volta. Os filhos de Zeus, de seu ventre e do ventre de outras, estão chegando para mais um reunião dos Doze.

Ártemis, acompanhada da mãe, espera pela chegada do irmão. Atena, reclusa e pensativa, como sempre. Hermes, atrasado, provavelmente perdido em algum trabalho.

Ela vê Deméter chegando, trazendo a jovem Perséfone em seu carro. A rainha percorre os olhos pelo salão em busca do Orco. “Ainda não. Chegará ao último segundo, como de costume”.

Hebe está ali, sentada aos seus pés. Sempre sua dama de companhia. Do genro, Héracles, ela não sabe – e também não faz questão de saber. Ela vê Hefesto, seu primogênito, distribuindo presentes aos deuses, e sabe que não será uma das contempladas.

Mas a chegada de outro deus faz com que a Rainha esqueça dos outros filhos: o guerreiro que vem em direção ao trono de Zeus chama a atenção de todo o salão. Recém-chegado, Ares se ajoelha diante do pai, que levanta, abraça o filho e pergunta de suas últimas campanhas. Um ritual, dentre os vários que compõe o conselho dos olimpianos.

Apenas muito tempo depois, quando Deméter já tomou seu lugar e Apollo se juntou às duas mulheres que ama, Ares deixa o pai e vai até a mãe. Ela o recebe com um abraço caloroso e um beijo no rosto. “Meu filho”, pensa Hera, “nascido de um rei, para ser rei”. Ele retribui o abraço e termina a saudação com uma reverência.

- Toda honra à Senhora dos Céus.
- Agradeço a gentileza, meu menino.

Ares parte para encontrar Hebe, irmã querida, que já espera com água para que ele se lave e néctar para que mate a sede. Hera repara, ao longe, o olhar cobiçoso de Afrodite e sorri involuntariamente. “Daria uma bela rainha, minha nora. Pena que casou-se com o filho errado”.

Ela recosta-se no trono, aguardando os últimos chegarem, ainda pensando no belo rei que seu filho seria. E conclui que, se não fosse pelo detalhe da sucessão, viveria muito bem entre as outras esposas de Zeus. Ela não desmerece Leto, assim como não desmereceu Sêmele, nem qualquer outra que tenha se deitado com seu marido. Cada uma tem lá seus encantos. Mas elas precisavam engravidar de meninos? Por que não tiveram meninas, como Deméter ou Leda? O curso da vida dos deuses seria muito mais tranqüilo se as outras esposas de Zeus percebessem que seu filho, o general, é o único capaz de assumir as funções do pai.

O marido toca-lhe o braço e pede sua atenção. Hermes está a postos, os Doze estão em seus lugares. O Conselho vai começar.

Imagem de teenyxtinyxtina

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Das conseqüências do rapto

Dizem que Deméter é inimiga de Aidoneus. Corre, ainda, que Ela não o perdoou pelo suposto rapto de sua filha, e que foi por causa do Senhor dos Mortos que a humanidade quase pereceu.


Nessa horas a Deusa deve pensar que esses humanos, seres amados de Prometeu, não sabem o que falam...

Deo não se zangou com o irmão. Sua ira é, na verdade para outro: o caçula. Ele, Senhor dos Deuses e dos Homens, julgou que poderia usar seu poder de patriarca sem consultá-la. Mas se esqueceu que o universo é dual, e que todo soberano tem sua contraparte na Terra.

Começa com Urano que, apesar de empurrar os filhos para o ventre de Géia, precisava de seu abrigo e de seus ardis. Seu filho, Cronos de curvo pensar, engolidor de deuses, foi o único a se unir e controlar a natureza selvagem dos frutos de Rhea.

Deméter, descendente das deusas da terra, serpente e porca, é a legitimadora do poder dos soberanos, como sua mãe e sua avó foram antes dela. Uma tradição familiar, de força, de matronas, de deusas da terra.

Nada mais natural do que gerar filhos de Zeus e Posseidon. Nada mais natural do que dar sua filha ao Orco, para que fosse coroada sua Rainha.

Mas Zeus se esqueceu disso, ou não se importou. O soberano dos céus não pensou que Deméter, talvez, já soubesse do destino da jovem Koré. E quando a humanidade passou fome, coube a Ele a tarefa de enviar mensageiros para convencer a irmã mais velha de que teria a filha de volta por seis meses. Precisou fazer com que o mundo tivesse sua ordem. Não a original, mas a necessária.


Assim, Aidoneus tem sua noiva, a jovem Koré, que agora é chamada de Perséfone. E Deméter tem a filha ao seu lado - pelo menos por uma parte do ciclo solar.

O único que perdeu foi Zeus. Ele não tem mais a confiança da irmã: desde de o incidente do rapto, ela olha de lado para o Senhor do Olimpo, todas as vezes em que Eles se encontram nos salões celestiais.
Imagens de WRMoore

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Lamia nas mãos da Sibila - Mythology Sinchroblog
























A Sibila trouxe uma pequena imagem e colocou-a no altar. Ficou ali, apoiada em uma pedra, junto aos deuses do Submundo.

Era estranha.

Retratava um mostro, metade mulher metade dragão. Sua cauda era roxa, sua boca era vermelha. Não possuía cabelos. Os olhos brilhavam.

Ficou na toalha vermelha, como que guardando o relicário de Perséfone. Se mesclou rapidamente com as outras, integrou-se em harmonia com os seres que existiam ali, naquele momento em que todos os deuses foram lembrados.

Mas todos se perguntaram: porque Lamia veio pelas mãos da Sibila?

Um mito antigo nos conta que uma das vozes de Apollo, a Sibila Herophile, era filha de Lamia, nascida antes que a Rainha do Olimpo fizesse surgir o monstro no corpo da mulher.

A rainha da Lybia, a amante de Zeus Pai, não era ainda uma devoradora de crianças quando sua filha nasceu. Não era uma caçadora da noite.

A Sibila, que serve à Luz, trouxe uma pequena lembrança de sua ancestralidade à tona. Uma fagulha do instinto, do labirinto, da serpente que habita escura até nos mais claros dias de Sol.

Trouxe uma deusa à mais. Uma amante a mais. Um único monstro no altar habitado por Olimpianos e consortes e filhos.

Quem sabe, com esse pequeno agrado, a vampira poupe nossas crianças...

Imagem: Lamia, de Octonomoes